Pendências pessoais: como realizar o que é importante mas não é urgente
Já faz algum tempo que comecei a colecionar pendências. Começou de forma inocente, bisbilhotando eventos de muitas áreas diferentes a anotando aquele “preciso explorar mais isso algum dia” no coração. Os livros, de um em um, foram se proliferando pelo quarto e já não sabia qual ler primeiro. Daí veio o Facebook e o acesso a muitas páginas interessantes, fontes de muitos links interessantes. Criei uma Pearltrees (pra quem não conhece, um ótimo site pra você colecionar links publicamente de forma linda e organizada) só pra salvar tudo o que eu tinha que ler depois, até que ela se tornou um acervo pessoal de links e um “HD externo do meu cérebro”, como costumo dizer. Chegou um momento em que eu sentia que carregava um baú de preciosidades que um dia eu precisava abrir, pois tinha tesouros que eu só tinha meramente vislumbrado.
Essa ideia de baú virou coisa séria, tenho responsabilidade afetiva com as minhas pendências pessoais. Afinal, elas são peças do meu quebra-cabeças pessoal que vou encontrando pelo caminho da vida. O baú começou a ficar cada vez mais pesado, até que começou a ficar difícil de andar. Acumular pendências é isso: chega uma hora em que não sobra mais espaço mental para o novo. Aquilo que era tão interessante com o tempo vira uma porção de fantasmas que te acompanham. E o pior: muitas coisas ficam defasadas. Quando você finalmente resolver ler aquele livro já terão lançado outro mais atualizado. Como então estar em dia com a informação e os interesses pessoais? Se você é uma pessoa curiosa e com vontade de fazer muitas coisas, sinto dizer que “estar em dia” não é literalmente possível, pois cada porta que você abre te traz uma porção de outras. Mas afinal, vamos celebrar o infinito interessante do mundo, o não-tédio que permite nossa mente expandir e transcender.
Depois desse consolo metafísico, falando de forma prática: como manter esse baú mais leve ou pelo menos carregar só pendências frescas e não fazer o baú virar museu? Essa pergunta me levou a inventar um método simples que tem funcionado pra mim. Tudo começa na famosa matriz de Eisenhower…
Matriz de Eisenhower
“O que é importante é raramente urgente, e o que é urgente é raramente importante”. Dwight Eisenhower
“Dwight Eisenhower foi o 34º presidente dos Estados Unidos, entre os anos de 1953 a 1961. Entre seus feitos estão a criação da DARPA, que viria a ser o que é a internet atualmente, e a NASA, agência espacial americana. Antes disso, seguiu carreira militar no exército até se tornar general. Mas, o que mais chamava a atenção dos que o conheciam era sua capacidade produtiva. Mesmo lidando com uma intensa agenda diária, conseguia priorizar aquilo que era realmente importante. Sua receita de priorização, anos depois, se tornaria mundialmente famosa por meio do livro Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes, de Stephen Covey . Eisenhower classificava suas atividades em duas categorias iniciais: importante e não importante. E em seguida, em urgente e não urgente. Para cada atividade, tomava uma atitude padronizada. Se fosse importante e urgente, executava aquilo imediatamente. Se fosse importante e não urgente, planejava e agia de acordo com o pensado, impedindo que se tornasse algo urgente. Se não fosse importante, mas urgente, delegava para outras pessoas. E não fosse importante nem urgente, simplesmente eliminava a atividade. Com esta lógica simples, conseguia investir seu tempo apenas no que era realmente importante. Empreendedores que, em geral, reclamam da falta de tempo, podem se beneficiar ao adotar esta prática como rotina diária.” Fonte: Matriz de Gestão do Tempo, Movimento Empreenda.
Você pode baixar a matriz comentada disponibilizada pela Endeavor aqui.
Como Stephen Covey ressalta no clássico “Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes” (veja um resumo animado aqui, em inglês) focar no quadro “importante e não urgente” é a chave para viver uma vida com propósito, pois só assim estaremos realmente buscando as atividades que estão alinhadas com o que tem valor para nós e portanto que vão trazer realização pessoal e felicidade.
Refletindo sobre isso, percebi que as pendências persistentes, aquelas que sobrevivem por anos, tem força para durar tanto tempo justamente porque são importantes para nós, são de fato pendências pessoais — algo que você quer fazer ou sabe que precisa fazer para sua vida ser melhor, mas não tem necessidade a curto prazo.
Nada como a pressão de um prazo para nos fazer realizar alguma coisa — e justamente por isso é que é muito fácil ficar no “modo urgente” e acabar não conseguindo realizar as coisas que queremos mas que não tem prazo imposto. Percebi além disso que de forma inconsciente eu estava sabotando minhas próprias importâncias. Eu estava procrastinando, não apenas coisas importantes como coisas importantes que eu gostava de fazer. Como uma pessoa pode procrastinar algo que ela quer fazer?
Razões para procrastinar coisas que você QUER fazer
Aqui estão alguns vários motivos que encontrei para procrastinar:
1. Cansaço / falta de energia
Se você tem uma rotina de trabalho no momento voltada para a sobrevivência, pode querer simplesmente morrer no sofá nos poucos momentos de tempo livre.
2. Foco em coisas urgentes
Toda vez que sobra um tempo para fazer alguma coisa da sua lista de pendências pessoais, ela parece ser um luxo diante dos “incêndios” que você precisa apagar agora.
3. Complexidade
Você inventou de estudar uma área nova ou fazer um projeto de muitas etapas. Parece super legal mas quando você pensa sobre isso parece difícil demais pra começar agora. Talvez num momento mais calmo da sua vida.
4. Confusão / Ansiedade
Você tem tantas pendências que não sabe por qual delas começa. Quando começa uma, logo dá vontade de mudar pra outra. Às vezes simplesmente você larga tudo e entra debaixo do cobertor.
5. Falta de inspiração
Como pendências pessoais geralmente estão associadas com propósito, elas são especiais. Então você precisa de um momento especial para estar conectado com elas. E esse momento perfeito é depois.
Tudo começa com ORGANIZAÇÃO
Organização é a alma da produtividade. Você já deve ter ouvido falar que a melhor forma de ser produtivo é saber exatamente o que você vai fazer e de preferência planejar hoje as tarefas de amanhã, para que amanhã o tempo seja utilizado só para execução.
Pois bem, e onde apareciam as minhas pendências pessoais? Elas estavam organizadas? Em forma de listas, de esboços epifânicos, de infográficos — sim. Em forma de tarefas — não. Além disso, percebi que existem dois tipos diferentes de pendências pessoais: coisas importantes mas que são chatas de fazer e coisas legais mas que não são feitas pelas justificativas da procrastinação listadas acima. Resolvi dividir então as minhas pendências em dois reinos, que chamei de RED e BLUE. Resolvi também listá-las na forma de cards que poderiam ser post-its, para que eu enxergasse cada tarefa como um cartão e de alguma forma começasse a associar isso tudo inconscientemente com um jogo — um gatilho pra motivação.
RED CARDS e BLUE CARDS
Na sessão red cards estariam todas as tarefas que tenho preguiça de fazer porque são chatas, mas que são importantes para meu desenvolvimento pessoal ou qualidade de vida. Por exemplo: organizar as coisas antigas entulhadas no guarda-roupas, fazer revisão de um curso que já está na lista de pendências há anos, fazer uma consulta médica de rotina, etc. Minha ênfase aqui é que seja colocado tudo que realmente dói pra começar, mesmo que o efeito posterior seja benéfico. Os red cards são a versão “dia” das tarefas, o lado esquerdo do cérebro.
Os blue cards invocam a inspiração. Os blue cards são doses que te levam a um mundo mais elevado. Aqui você pode colocar tudo o que realmente gosta de fazer: ler um livro, assistir um filme, fazer um trabalho artístico, estudar um idioma, fazer um passeio, enfim, tudo aquilo que você não faz porque você não tem tempo, porque você vai se sentir culpado de fazer em detrimento das coisas urgentes. Aqui está a versão “noite”, o lado direito do cérebro.
Comecei a criar red cards e blue cards na minha cabeça. Comecei a perceber o quanto são importantes e como nenhum dos dois estavam na agenda. Num dado momento de rebeldia, largava tudo e pensava “vou pegar um blue card agora” e ía assistir uma série ou fazer alguma coisa absolutamente atemporal.
(Pausa para fazer um chá, após o alento dos blue cards)
Da planilha ao Trello
Depois de começar essa relação esquizofrênica com meus cards, a próxima tarefa seria de fato escrever todos eles, dar vida e materialidade a eles. Primeiro pensei em fazer cartões de papel mesmo, depois considerei fazer em post-its e por fim decidi digitalizar. Descartei os cartões de papel porque além de ficar gastando papel e não ter acesso remoto, seria difícil fazer uma lista de prioridades. Descartei os post-its porque já fiz isso antes e enjoei de ver post-its por muito tempo na parede, acabei desanimando. Como estamos falando de pendências pessoais, a lista pode ser tão grande quanto você queira, não é simplesmente a lista do que você vai fazer na próxima semana.
Comecei a listar então meus cards em duas colunas de planilha: RED e BLUE, pra ser rápido e lembrar de todos. Na sequência, fui pesquisar “sites/aplicativos de organização pessoal”, “sites/aplicativos para anotar ideias” e resolvi experimentar o Trello, super clássico e famoso que eu ainda não tinha usado. E agora estou tão apaixonada por ele que me sinto tremendamente idiota de estar “descobrindo a roda”. Mas enfim, seja o Trello ou outra das tantas ferramentas disponíveis, escolha uma que você sinta felicidade infantil em mexer, que você coloque as mãos no rosto e expresse o quanto sua lista de cards está linda!
Em algum momento entre a planilha e o Trello, senti a necessidade de mais cores. Senti a necessidade de diversificar um pouco mais as categorias. Foi então que cheguei na minha versão final, composta por 5 cores mais a coluna DONE. Vou te mostrar em detalhes a seguir.
Construindo seu arco-íris de pendências
Coloco aqui o sistema que inventei pra mim, como uma forma de inspirar você a utilizar exatamente o mesmo sistema caso se identifique, ou adaptar, ou simplesmente dar aquele click que você pode inventar o que você quiser que funcione pra você.
IMPORTANTE: o número de categorias deve ser limitado! Limitar as categorias foi um dos maiores hacks deste sistema, que pode parecer bobo de tão simples mas é fruto de anos de sofrimento com as listas de infinitas categorias. Categorizar por assunto é realmente uma armadilha, pois você pode cair num sistema de 50 assuntos que não vai conseguir lidar. Por isso, escolhi cores. Sugiro limitar a 5 categorias no MÁXIMO, pois assim vai conseguir encaixar melhor na sua semana e visualizar todas na mesma tela — afinal design é tão importante quanto conteúdo.
Minhas cores e o que abrangem:
RED: Tarefas operacionais, predominantemente materiais, físicas. Fazer uma reforma, comprar alguma coisa, agendar alguma coisa, fazer coisas burocráticas, organizar objetos, etc.
GREEN: Versão digital/intelectual do RED. Abrir espaço no celular, ler e-mails pendentes, pesquisar novos apps, fazer backup no computador, sistematizar processos, etc.
BLUE: Coisas muito legais que adoro fazer e que estão na “fila”. Ler livros, assistir filmes, fazer cursos, pesquisar sobre assuntos específicos, etc.
YELLOW: Esta seção é bem pessoal e específica. Pode ser alguma área da sua vida que vai ter tantos cards que floodaria os RED e BLUE então você precisou abrir uma sessão especial. No meu caso é Alimentação, uma área que é bem importante pra mim e fui acumulando centenas de pendências, como receitas pra pesquisar e fazer, comprar e organizar ingredientes, estudar nutrição, etc.
PURPLE: A mais querida das sessões. Se os BLUE cards são pra inspirar e se divertir, os PURPLE cards são pra produzir. Aqui coloco os projetos autorais que quero fazer, como escrever textos, criar um site/canal, fazer uma parceria, etc. Tudo o que possa ser algum baby step pra iniciar ou fazer parte de um projeto importante.
DONE: Esta sessão é muito importante! Quando um card for realizado, ele vai pra esta coluna. Assim você pode acompanhar suas realizações e ter aquela ótima sensação de missão cumprida!
A maioria dos cards são tarefas de 1h. Se forem tarefas mais complexas é melhor que sejam divididas em cards menores — aquela estratégia básica de fragmentar em tarefas simples e claramente executáveis. Mas existem cards de maior duração como leitura de livros e também cards mais periódicos/permanentes como estudo de idiomas. Também abri um Board separado pra colocar o que eu chamei de WHITE cards, aquelas coisas que eu quero fazer UM DIA, mas não agora a curto prazo, vamos dizer, no próximo ano. Assim também não gero um monte de cards que só fazem volume, tudo que estiver no quadro principal é de realização a curto e médio prazo. Esta intraorganização você pode ir adaptando conforme a necessidade. Na verdade alguns dos meus GREEN cards se referem justamente a sistematizar como será minha leitura/resumo de livros e estudo de idiomas, então talvez eu invente alguma nova estratégia para organizar essas tarefas em particular, como horários diários ou semanais.
Após fazer sua lista, o próximo passo é PRIORIZAR. Organize cada coluna em ordem aproximada de prioridade. Isso vai te fazer ter uma visão maravilhosa de quais serão suas próximas realizações daquela lista de pendências que você demorou meses ou anos pra domar. O ritmo de realização dos cards vai depender da sua rotina. Minha meta pessoal tem sido realizar pelo menos um por dia, escolhendo cada dia uma das cores e necessariamente tarefas do topo da lista. No DONE é possível acompanhar a sequência de cores: no meu caso de forma espontânea comecei com a sequência “amarelo — azul — vermelho — roxo” de modo que já tive o insight que no próximo dia estava na hora de pegar um verde. Equilibrando os cards (sem viciar nos BLUE!) é possível com o tempo realizar tudo o que você sempre quis.
Transcendência
Meu Board inicial ficou com cerca de 50 cards no total (sem listar leituras), que foram as coisas que lembrei de imediato. Dependendo do meu ritmo de realização posso até estimar quanto tempo vou levar para zerar este Board e começar uma fase completamente nova da minha vida. Chegará o momento em que terei praticamente esvaziado o baú e posso até considerar me livrar dele e modernizar minha bagagem para algo que me pareça mais interessante de carregar comigo, como uma cápsula do futuro ou algo assim. Essa visão também me motiva a “queimar” mais cards quando posso, pois assim chegarei mais rápido nesse objetivo de me tornar uma versão mais interessante e presente de mim mesma (com um ótimo repertório dos livros e filmes que terei lido/assistido, diga-se de passagem).
Perceba que este sistema pode ser divertido e seu cérebro pode associá-lo à um processo de Gamificação, que está muito ligado à gerar motivação. Da próxima vez que a ansiedade bater e você não souber o que fazer com aquele pedaço de domingo em branco, você vai checar seu sistema secreto que vai te dar pelo menos 5 sugestões coloridas. Talvez isso pareça mais interessante do que se esconder debaixo do cobertor.
Além disso, como você pode imaginar, a realização é combustível de mais realização. Quanto mais você fizer, mais vai querer fazer. Tudo tem uma barreira inercial e você só precisa começar. Mas antes de começar, tenha um plano claro da sua jornada. Tenha a segurança interior de que nada do que é importante para você está sendo deixado para trás. Tudo está ali, simples e claro, guardado na sua mala. Assim você pode ter a tranquilidade de saborear cada momento.
Seja um mestre do seu tempo e sobretudo, realize o que você quer realizar.
“Falta de tempo é desculpa daqueles que perdem tempo por falta de planejamento.” Albert Einstein
P.S.: escrever é uma pendência pessoal minha muito antiga e esta postagem é meu primeiro PURPLE CARD.
Link curto para divulgação: https://bit.ly/2m40re6
