Criatividade por uma Sociedade Livre

Susan Moreno
15 min readApr 12, 2020

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”Colour square sphere” de Olafur Eliasson, artista que inspirou a criação deste texto.

Escrito ao som de Vitamin String Quartet / Sigur Ros

Talvez a definição última de criatividade seja a própria liberdade. É o encontro da mente com o espaço anterior à materialização, onde coexistem todos os fluxos de possibilidades. É poder transitar por caminhos ainda não percorridos, desenhando-os a cada passo. Livre de qualquer padrão já concebido, livre para experimentar e escolher conexões. De forma abstrata ou concreta, criar é fazer novas conexões.

Nossa mente espontaneamente experimenta a realidade, brinca, se expande. Quando crianças, fazemos isso o tempo todo. E experimentando, brincando e expandindo, naturalmente fazemos novas conexões — criamos. A mente naturalmente explora o mundo e se manifesta criando. Todos nós somos naturalmente criativos. E só perdemos essa criatividade, ou nos desconectamos dela, quando por alguma razão, perdemos nossa liberdade de ser. Para criar, basta ser. E ser não é existir. Ser é manifestar sua existência, é seguir o impulso de criação da vida que existe dentro de si.

Cérebro Livre

Nosso cérebro traz mais evidências sobre a conexão íntima entre liberdade e criatividade. Em nossos sonhos, quando a liberdade de conexões é máxima, a criatividade é máxima. Você já acordou refletindo sobre o quanto gostaria de aproveitar o potencial criativo dos seus sonhos? E provavelmente não conseguimos por uma simples razão — a lógica nos prendeu em uma gaiola mental. Ter limites é necessário para sobrevivermos e cuidarmos de nosso corpo, mas transcender esses limites mentais revela o rico universo narrativo que mora em nossa mente.

Além disso, muitas vezes quando tentamos forçar algum processo criativo, ele simplesmente não acontece. É como uma rebeldia, quanto mais controle tentamos impor, menos conseguimos o que queremos. Às vezes quebramos a cabeça por horas para resolver algo e a solução só vem como insight quando relaxamos e vamos fazer alguma outra atividade. O cérebro continua trabalhando em paralelo e consegue chegar a algo inusitado quando deixa de ter pressão e exigência.

“Difícil não é ser criativo, é tirar da frente tudo aquilo que nos impede de sê-lo” Jim Collins

Numa cultura que não estimula nosso poder criativo, é possível que ao longo dos anos nosso cérebro adquira diversos traumas, padrões viciados de pensamento, carga emocional pelas exigências da sociedade e ansiedade decorrente da sobrecarga de informação. Ser criativo tem muito mais a ver com libertar-se de tudo isso do que de tentar impor algum tipo de controle sobre o processo. Felizmente, temos recursos internos que nos guiam nesse processo de liberdade e reconexão.

Nossa curiosidade, interesses pessoais, sensibilidade e intuição nos conectam com nossa criatividade inata. Essas manifestações da mente são faróis no mar turbulento da vida. O cérebro sabe o que quer, ele sabe “pedir comida”. Siga sua curiosidade e você chegará inevitavelmente a um lugar criativo. Simplesmente porque a curiosidade leva ao desconhecido, e o desconhecido é onde as novas conexões acontecem. E não é um desconhecido qualquer — é o desconhecido que te instiga.

Quando não conseguimos manifestar naturalmente essas características, provavelmente é porque precisamos de tempo livre. Tempo é alma. O que rouba nosso tempo, rouba nossa alma. Às vezes é necessário passar um tempo sem fazer completamente nada, sem distrações, sem exigências, para mente e corpo se recuperarem do cansaço e voltarem a se expressar.

E por fim, temos as coisas inspiradoras - recursos externos que nos teletransportam magicamente para o espaço de novas possibilidades. Quando lemos, escutamos, assistimos ou vivenciamos alguma experiência que se conecta com a nossa natureza, nossos pensamentos ressoam, se organizam numa sinfonia. De repente, uma profusão de sinapses eletriza nossa mente. Mas mais do que isso, atingem a dimensão emocional. E essa sobreposição de mente visionária e fluxo emocional é o estado de inspiração, que abre os caminhos para o fluxo criativo.

O controle mata a criatividade

Ao tentar controlar aquilo que não pode ser controlado, suprimimos sua potência. Qualquer sistema de disciplina nada mais é do que a tentativa de controle. Horários, regras, avaliações. Metas, escopos, saber o início, saber o fim. E então, robotizamos os humanos. Talvez mais urgente do que a busca da inteligência das máquinas deveria ser a busca de nossa própria inteligência perdida, escravizada por sistemas de recompensa.

Ao limitarmos por onde andamos é impossível encontrar caminhos novos. E é provavelmente por isso que as pessoas mais criativas, inventivas, disruptivas, simplesmente são aquelas que não se deixaram andar pelos caminhos já estabelecidos. E que seu guia nada mais era do que pura curiosidade e inquietação.

Uma vez um amigo me disse que a depressão é sinal de desconexão com a alma. Lembro-me vividamente disso toda vez que me sinto mal. É como a dor — é um aviso. A dor psicológica, neste sentido, também é um aviso, de que não estamos manifestando nossa potência criativa, nossa liberdade de ser. Com efeito, podemos observar que processos que levam a uma reconexão criativa são profundamente terapêuticos e restauradores. No extremo disso está o belíssimo trabalho de Nise da Silveira, que aplicou a arte no tratamento de doenças psiquiátricas. (Aliás, se a essa altura você ainda não assistiu Nise, fica a indicação!)

“Na ameaça a gente não cresce, na ameaça a gente não se desenvolve. Na ameaça a gente não aprende, na ameaça a gente paralisa.” Ana Thomaz

Ana Thomaz é uma artista e educadora que teve a corajosa atitude de tirar os filhos da escola, contando sua experiência num vídeo magnífico chamado “O que aprendi com a desescolarização” (recomendo imensamente, é um dos vídeos que mais me impactaram na vida!). Ela fala sobre poder e potência, conceitos desenvolvidos na filosofia de Espinosa, Nietzsche, Foucault e de Deleuze comentando os outros. O poder é o controle, a coerção. A potência é aquilo que trazemos internamente, a potência de vida, que nos traz a habilidade de criar a nós mesmos.

“Nossa cultura é anti-vida, não é uma cultura que nos ajuda a potencializar a vida, é uma cultura de distrações” Ana Thomaz

Nossa cultura é baseada em estruturas de poder. O poder opera de diversas formas, não apenas pela força ou pela obrigação. Mecanismos de recompensa também são mecanismos de poder. Algumas das maneiras de operação do poder são:

Ameaça: se você não fizer desta maneira você vai ser castigado;

Recompensa: se você fizer desta maneira você vai ser premiado;

Persuasão: eu vou te explicar porque você deveria fazer assim;

Acontece que todo poder é intrinsecamente impotente. Por ser impotente é que o poder manifesta a necessidade de controle. Quando tentamos controlar, suprimimos nossa potência. Uma estrutura que te obriga a estudar aquilo que você mais gosta, por exemplo, está mecanizando algo que você traz naturalmente dentro de si. Muito em breve, vai fazer você perder completamente sua inspiração e criatividade, apenas porque está tentando controlar algo que é potente e livre.

“Um poder não gera potência naqueles que governa, se gerasse potência, não seria um poder e não se colocaria acima do outro. Todo poder é triste, diz Deleuze, ele administra a tristeza, ele é sempre um obstáculo diante da efetuação das potências. Tudo piora quando percebemos um ciclo vicioso nesse processo, os afetos dão prova de que só quer o poder quem é impotente. Quanto mais fraco nos tornamos, mais desejamos o poder.” Razão Inadequada (aproveite e conheça esse projeto lindo)

E aqui podemos aplicar a ideia de poder em várias instâncias, até mesmo quando nós mesmos tentamos controlar demais nosso processo criativo, o que acaba por bloqueá-lo. Este texto surgiu a partir deste único insight que eu tive sobre minha própria vida. Após um trauma em que precisei bloquear meu fluxo criativo para fazer atividades obrigatórias por alguns anos, percebi que eu estava tentando me reconectar com a minha criatividade através de auto-disciplina. E então, depois de muito tempo enxerguei: eu nunca vou conseguir ter disciplina para fazer algo para o qual eu não preciso de disciplina.

Meu ponto é simples: se você está intrinsecamente motivado, não há necessidade de rédeas. Sua vontade de fazer a coisa será tão grande que vai gerar uma energia e um poder de realização imensamente maiores do que geraria qualquer estrutura de disciplina. A disciplina tem sua utilidade — serve para fazer algo que não queremos fazer. Serve também para nos tirar de estados de inércia, em que não estamos conseguindo ter motivação por estarmos viciados em algum ciclo de pensamento.

Isso tudo tem relação direta com os conceitos de motivação extrínseca e intrínseca. A motivação extrínseca é fazer algo por uma razão indireta — para ter algum tipo de recompensa. Já a motivação intrínseca é fazer a coisa pela coisa, porque você quer, porque você gosta. E se temos naturalmente um impulso tão legítimo e poderoso de fazer as coisas por motivação intrínseca, por que a sociedade baseia-se na motivação extrínseca?

Meu palpite é que as estruturas de controle refletem apenas uma coisa — falta de confiança. Falta de confiança no processo em si, com a necessidade de ter garantias de resultado, que decorre da falta de confiança na própria potência humana. E não confiar na potência humana só pode resultar de uma razão: não estar conectado com a potência humana dentro de si. Um ciclo vicioso capaz de gerar um paradigma de séculos.

Vale lembrar que quando estamos falando de paradigmas de pensamento dentro de uma cultura, não faz sentido apontar inimigos pontuais. Uma cultura é construída coletivamente, como resultado de ações e crenças de centenas de gerações. Todos nós propagamos os pensamentos de nossa cultura, até termos a percepção consciente desses padrões em nós mesmos e começarmos a mudá-los. Tentar bater de frente geralmente não funciona, e até reforça o que queremos mudar. Tudo o que podemos fazer é cultivar o novo.

Substituindo poder por desafio

Como podemos então criar estruturas coletivas que estimulem a motivação intrínseca? A própria Ana Thomaz dá a dica em seu vídeo — ao invés de ameaça ou recompensa, podemos ser estimulados por desafios. Os desafios conectam as necessidades de uma organização ou sociedade com os talentos e motivações individuais das pessoas. Além disso, desafios incentivam o trabalho em equipe, pois demandam diversas habilidades.

Isso me fez pensar que existem aspirações extrínsecas — coisas que fazemos para obter recompensas individuais, e existem aspirações intrínsecas — coisas que fazemos por propósito. As primeiras operam na lógica do poder, as últimas na lógica do desafio. Esquematizei alguns exemplos no diagrama abaixo:

O mais irônico é que quando nos dedicamos a uma aspiração intrínseca, em geral desenvolvemos trabalhos notáveis, por estarmos conectados com nossa potência. Isso acaba levando a reconhecimento, dinheiro, fama, etc. E quando perseguimos apenas aspirações extrínsecas, além de darmos pouco retorno para a sociedade, nos sentimos tremendamente vazios. Os ganhos das aspirações intrínsecas incluem e expandem os ganhos das aspirações extrínsecas.

E quando fazemos algo notável, trazemos benefícios para o sistema como um todo. Então, por lógica, otimizar os ganhos coletivos depende de permitir que as pessoas se conectem consigo mesmas. Então, onde está o problema?

O problema está no fato de que a sociedade, apesar de reconhecer e recompensar o trabalho das aspirações intrínsecas, não estimula e não fornece estrutura para seu desenvolvimento. É como se ela só reconhecesse o que já está materializado e não o potencial de materialização. É uma cegueira, colhe os frutos mas não planta as sementes. Se você quer perseguir suas aspirações intrínsecas, você precisa dar um jeito — sozinho. De modo que resolver os problemas da própria sociedade torna-se um luxo, um privilégio de poucos. Isso é uma falha sistêmica tremendamente grave. Um sistema que não estimula sua própria auto-regulação. Pensando numa analogia biológica — um sistema doente.

Vamos entrar mais nessa toca do coelho?!

A mitificação dos gênios

Patrick Fore / Unsplash

“Toda criança nasce um gênio.” Buckminster Fuller

A genialidade, a mente brilhante, é fortemente associada à capacidade criativa. E isso tem um valor inestimável em nossa cultura. Grande parte dos personagens mais conhecidos e respeitados da história são artistas, escritores, pensadores, inventores — são criadores. E quando criam algo grandioso, são elevados a uma posição divina. São diferenciados dos outros, são considerados excepcionais.

Não seria essa distinção uma ilusão que não percebe que esses seres extraordinários estão apenas acessando sua potência em sua totalidade? Afinal, o que eles sempre disseram foi “seja você mesmo”. O pensamento original é conectar-se com sua própria criatividade e com a inspiração direta da natureza. Que eles sirvam de inspiração para nós, do que a mente e o espírito humano são capazes. Mas que eles não nos reduzam. Existem pessoas com diferentes níveis de aptidões e habilidades, mas todas tem potencial criativo. Enquanto organismo coletivo, deveríamos garantir o direito essencial de toda pessoa expressar sua criatividade.

Vale lembrar também que a expressão da criatividade pode se manifestar através de diversas linguagens. Cada pessoa tem sua combinação própria de aptidões e inteligências. A teoria das inteligências múltiplas de Gardner oferece um ótimo espectro para essa percepção. Descreve 9 tipos de inteligência: espacial, naturalista, musical, lógico-matemática, existencial, interpessoal, corporal-cinestésica, linguística e interpessoal.

Inteligências múltiplas de Garder — por Adioma.

A mitificação dos gênios tem consequências mais catastróficas do que parece. Ao meu ver, todo o nosso sistema de ensino, por exemplo, está a serviço de peneirar “os melhores”. Os melhores são aqueles que tiveram todas as oportunidades de se desenvolver. O que um sistema de ensino genuíno deveria realmente fazer é desenvolver, não avaliar. No momento em que você somente avalia, você cria uma sociedade desigual.

“O sucesso é o encontro da competência com a oportunidade.” [Autor desconhecido]

Nossa cultura é tremendamente centralizadora, polarizadora, no sentido de que alimenta cada vez mais quem mais tem e cada vez menos quem menos tem. Isso é consequência imediata de não reconhecermos o potencial criativo de todo ser humano. Ou seja, isso é consequência da falta de confiança em nós mesmos, como espécie. Talvez quando reconhecermos o potencial criativo do ser humano, finalmente respeitaremos uns aos outros, independente de nossa posição social.

O mundo nunca pergunta “O que você tem potencial de fazer?”, o mundo só pergunta “O que você fez?”.

Quero colocar um desafio prático a todos que estão lendo: comece a perceber o quanto você glorifica experiências e despreza potenciais. Ou seja, o quanto você apóia quem já é grande, mas não enxerga quem está começando. Seja numa escolha de consumo, numa parceria de trabalho, ou numa relação social. E desta forma, a sociedade não cresce como um todo, só centraliza cada vez mais as oportunidades. A experiência é valiosa, merece ser reconhecida e recompensada, sim. Mas sem dar oportunidades para os potenciais crescerem, criamos uma sociedade totalmente disfuncional — com uma grande quantidade de problemas e com uma grande quantidade de pessoas que não podem ajudar a resolver esses problemas e expressar a si mesmas como seres humanos, criativos.

Se você quer um mundo de oportunidades, pare de avaliar somente experiências e comece a avaliar potenciais.

Redesenhando o trabalho

“Os métodos modernos de produção nos deram a possibilidade de facilidade e segurança para todos, mas optamos por ter excesso de trabalho para alguns e fome para outros. Até agora, continuamos tão enérgicos quanto éramos antes de haver máquinas; nisto somos tolos, mas não há necessidade de continuar sendo tolos para sempre.” Bertrand Russell, 1932 [Tradução livre]

Criatividade é o nosso melhor estado — demanda tempo livre, energia, necessidades básicas bem resolvidas. Demanda uma estrutura social favorável. Por outro lado, desafios complexos demandam indivíduos criativos. No cenário global atual de crescimento populacional, polarização econômica e crise ambiental, necessitamos mais do que nunca de abordagens orientadas a desafios. É o encontro da potência individual com as necessidades do mundo. Estamos na confluência entre ser e sobreviver.

O trabalho é um aspecto central de nossas vidas, onde passamos a maior parte de nosso tempo. Numa sociedade saudável, o trabalho precisa estar conectado com as aspirações individuais e com as necessidades coletivas. Claramente, o velho-atual modelo não atende nenhum dos dois. Como construir estruturas de trabalho que sejam de fato eficientes? Coloco abaixo alguns eixos que imagino serem importantes nessa discussão.

Tempo

“O valor do tempo é coletivamente determinado”. Li essa frase num Guia incrível do ETUI (European Trade Union Institute), chamado The why and how of working time reduction. Afinal, que valor damos ao nosso tempo? Será que enxergamos que ter tempo livre é um direito de nossa existência?

Nos últimos tempos, diversos experimentos de redução da jornada de trabalho têm sido feitos ao redor do mundo. O mais interessante é que é frequente a correlação de diminuição das jornadas com aumento de produtividade. Ou seja, em muitos casos, ao reduzir a jornada de 8h para 6h, além de as pessoas ganharem 2h diárias para viver, não há perdas nem para o trabalho que está sendo feito. Em alguns casos há até aumento de lucros.

“Diminuir o tempo gasto no trabalho é visto como pelo menos uma solução parcial para problemas de longa data, como desemprego, desigualdade de gênero, economia insustentável, envelhecimento da população, epidemia de burn-out, riscos à saúde relacionados ao trabalho e muito mais.”

De acordo com alguns estudos, a abundância de tempo (a sensação de que você tem tempo suficiente para fazer o que precisa) está intimamente relacionada ao bem-estar e à felicidade subjetivos.” Guia do ETUI [Tradução livre]

Em alguns países, a redução das jornadas já é uma realidade. Precisamos buscar maneiras de torná-la possível em todos. Para isso, acredito que os primeiros passos são buscarmos informação, falarmos sobre isso e de fato darmos valor ao nosso tempo. Quando isso for culturalmente estabelecido, é possível que diversas iniciativas se manifestem.

Baixe aqui o Guia do ETUI, que aliás é um material excelente para se informar sobre o assunto. É super multidimensional, cheio de referências, estudos de caso, análises e sugestões relevantes.

Renda Básica

Até quando sobreviver não será um direito de todos? A Renda Básica Universal é uma ideia de 500 anos atrás que está sendo discutida cada vez mais intensamente. No momento atual de necessidade de auxílios emergenciais em massa, tudo indica que será testada em grande escala. Isso pode ser um marco para finalmente alcançarmos o fim da pobreza e conquistarmos a dignidade básica da qual falamos há tanto tempo.

Ter uma Renda Básica está muito associado a tempo livre, pois liberta as pessoas de precisarem trabalhar para sobreviver. Ainda assim, vários estudos mostram que as pessoas não deixam de trabalhar por conta disso, justamente porque o trabalho vai além da sobrevivência. Mas ter uma renda básica significa dar oportunidade a todos de se desenvolver e se expressar. Lembrando que a renda é “básica”, ou seja, ainda podem existir os mesmos incentivos extrínsecos para trabalhar mais para conquistar mais benefícios. Mas pelo menos, ninguém morre de fome ou é condicionado a viver em desespero.

Fica a dica deste ótimo vídeo do Kurzgesagt. Ele mostra porque a Renda Básica faz mais sentido do que programas de Assistência Social, além de comentar sobre diversos aspectos econômicos e comportamentais importantes.

“Nós trabalhamos por status social, bem estar, e por nosso lugar no mundo. Buscamos algo para fazer em nossas vidas, e para muitas pessoas, o trabalho lhes dá propósito.” — Kurzgesagt (vídeo)

Novas formas de trabalho

Sobre a estruturação do trabalho em si, podemos explorar muitos caminhos de transformação. Mas uma coisa é certa, existindo um ambiente favorável ao desenvolvimento humano, uma profusão de soluções criativas pode vir à tona.

Algumas ideias que imagino para o futuro do trabalho são:

  • Organizações mais horizontais e sistemas de trabalho em rede;
  • Estruturas que possibilitem o desenvolvimento de projetos pessoais, permitindo “períodos de incubação”, intermediárias entre estruturas de estudo e trabalho;
  • Projetos orientados a desafios, de natureza sistêmica, multidisciplinar e associados às demandas da sociedade, que estimulam a motivação intrínseca;
  • Sistemas multivalores que envolvam criptomoedas e otimizem fluxos que vão além do dinheiro, sendo capazes de agregar novas formas de valor econômico, social e ambiental;
  • Processos de compartilhamento de responsabilidades, onde todas as pessoas podem dividir as “tarefas comuns” em estruturas rotativas e receber benefícios por isso;

Penso que os humanos do futuro vão olhar para nós como muito primitivos. Espero que esse futuro chegue logo. Algumas ideias podem parecer utópicas, mas a questão é que muita coisa é possível se sairmos do pensamento fatalista e abrirmos espaço mental para imaginar o mundo que queremos viver.

“Não há garantia de que boas ideias prevaleçam. Mas se você não tem boas ideias, se você não tenta ter essas boas ideias, se você não tenta entendê-las, levá-las para frente, colocá-las pra fora, é claro que elas não prevalecerão. Então continue tentando.” — Paul Krugman [tradução livre]

Se você quer fazer algo grandioso, seja livre. Se desintoxique das expectativas e ameaças externas e encontre seus impulsos naturais que o levarão a manifestar sua existência plena no mundo. E apóie a criação de estruturas coletivas para que todos possam ter oportunidades. Acredito que é apenas com seres humanos livres para criarem a si mesmos que poderemos chegar a uma sociedade realmente livre.

Não é à toa que a criatividade é considerada a habilidade do Século XXI — é um século que quer ser livre. É um século que quer ser. Queremos ser. Somos, logo criamos. Criamos, logo somos.

E o que vem pela frente é o que criaremos.

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Susan Moreno

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